Best-seller internacional, neste livro você verá que o universo das personalidades brilhantes esconde uma lógica muito mais fascinante e complexa do que aparenta.
Crítica de livro: Outliers (Fora de Série), de Malcolm GladwellPor: marcelopcarvalho
O jornalista canadense Malcolm Gladwell ataca novamente, com mais uma obra polêmica e que, como as anteriores (The Tipping Point e Blink), deve fazer grande sucesso. Gladwell descobriu uma fórmula muito eficaz: trata de temas relativamente complexos, em uma linguagem acessível; desenvolve teorias que vão contra o senso comum, em cima de temas de grande apelo; e escreve com muita habilidade, de forma que o leitor se sente tentado a terminar logo o livro, como um bom romance em que a narrativa flui muito bem. Gladwell combina trabalhos científicos de alta credibilidade com argumentos bem menos embasados, mas escritos de forma sedutora e bem estruturada. O leitor sente que está aprendendo várias coisas novas e, em meio a esse processo, Gladwell passa sua mensagem, correta ou não.
De onde vem o sucesso?
Dessa vez, em Fora de Série, Gladwell trabalha com o sucesso: porque algumas pessoas têm e outras não? Sem dúvida, o tema é atrativo. O livro procura mostrar que o talento inato é apenas uma parte do sucesso. Segundo Gladwell, mais importante do que o talento é a preparação (pessoas bem sucedidas se dedicam bem mais do que as outras), a oportunidade (muitas vezes igual à sorte de estar no lugar certo, no momento certo) e o ambiente cultural, isto é, o legado que cada pessoa recebe e que permite ou não que o sucesso ocorra. Esse é o grande mote do livro e o que o faz diferente, uma vez que, na concepção usual, o sucesso é fruto da capacidade individual de cada um, com o que seria uma sobrevalorização do “self-made man”, que surgiu do nada, desconsiderando que há uma série de aspectos bem menos românticos que fazem alguém bem sucedido.
Até que ponto QI tem a ver com sucesso?
Ele prova também que o QI, um índice de inteligência analítica, a partir de certo valor não tem correlação com sucesso, ou seja, gênios não necessariamente serão mais bem sucedidos do que pessoas normais. Ele coloca novamente que o ambiente (acesso a livros e cultura geral, estímulos e desafios desde cedo, além de uma educação que faça a criança conhecer e fazer valer seus direitos) é o que desenvolverá a inteligência prática, sem a qual as pessoas terão dificuldade de se relacionar com os outros, falar a coisa certa no momento certo e, com isso, aproveitar as oportunidades e fazer valer toda sua inteligência.
90% transpiração, 10% inspiração, e também oportunidades…
Na primeira parte do livro, o autor procura mostrar que nada é por acaso. Sem dúvida, o sucesso precisa de talento, mas só talento não basta. É preciso oportunidade, como nascer na época certa, no momento certo, ter acesso aos exemplos certos e às condições certas para que o talento se manifeste. Ele diz que Bill Gates, por exemplo, teve muita sorte quando sua escola, em 1968, adquiriu um computador avançado para a época, o que permitiu que dedicasse muitas horas para a programação. Talvez Bill Gates não teria sido Bill Gates se não fosse esse fato, sugere Gladwell.
E muita dedicação
Além disso, é preciso treinamento. Ele diz que os Beatles só ganharam consistência após longas turnês em Hamburgo, quando estavam começando, em que tocavam por 8 horas seguidas por várias noites. Segundo Gladwell, esses longos shows é que deram aos Beatles a chance de se desenvolver. Nesse ponto, ele se prende a um conceito meio difícil de engolir, de que pessoas de sucesso praticaram pelo menos 10.000 horas antes de alcançar essa posição. Porque 10.000 horas? Não se sabe. Ele não considera habilidades naturais ou qualquer outro aspecto além das tais 10.000 horas. Sem dúvida, um número mágico, mas, cá entre nós…
Influência do legado cultural no comportamento – o exemplo dos acidentes de avião
Na segunda parte, Gladwell enfatiza a importância do ambiente e da cultura. Utilizando trabalhos como o do consagrado Hofstede, sobre diferenças culturais, ele prova que o ambiente em que alguém está inserido é determinante para seu sucesso. A cultura, portanto, exerce um peso considerável em como as pessoas se portam, quais habilidades desenvolvem, o quanto valorizam o trabalho, etc. Nesse ponto, ele ilustra sua tese com fatos interessantes e que ajudam a embalá-la, como ao mostrar que países onde a distância para o poder é mais elevada, o índice de acidentes aéreos é mais alto. Com diálogos retirados das caixas-pretas de aviões que sofreram acidentes e lançando mão de uma escrita envolvente, Gladwell atrai o leitor e, sem que se perceba, pode convencer.
Cultivo de arroz e dedicação ao trabalho
Em alguns momentos, ele parece forçar um pouco demais seus argumentos para tirar suas conclusões. Define que a propensão ao trabalho árduo na cultura chinesa e oriental em geral, base para o sucesso, está na tradição do cultivo do arroz, que precisa ser milimetricamente realizado para que seja bem sucedido, o que não ocorre com o cultivo de milho e trigo no ocidente, o que teria influenciado inclusive a duração do período letivo. Para Gladwell, o tempo e a dedicação à escola são fatores essenciais para o sucesso. O que ele não explica é porque, mesmo com essa dedicação muito maior, as economias orientais ficaram atrás das ocidentais durante os últimos séculos.
Um ponto a se considerar é que Gladwell não procura definir claramente o que é sucesso. o mais perto que ele chega da definição de sucesso é a combinação de um trabalho que envolva autonomia, complexidade e seja significativo, além de permitir recompensas proporcionais à dedicação. Por essa definição, poucas pessoas podem efetivamente se considerar bem sucedidas. E se forem felizes sem isso, será que também não são em larga medida bem sucedidas?
E traços individuais, em nada contam para o sucesso?
Outro aspecto relevante que precisa ser dito é que ele nada diz a respeito das características individuais, de personalidade, que podem ou não determinar o sucesso. De certa forma, Gladwell é de um determinismo ambiental excessivo, desconsiderando aspectos individuais que, em última análise, devem ter um impacto considerável no alcance do sucesso. Da mesma forma, pode-se argumentar que muitas pessoas de talento, que tiveram oportunidades e se esforçaram não tiveram o mesmo sucesso – talvez pelas características pessoais, por escolher outros caminhos, por não “pensar grande”, ou por não ter, enfim, os ingredientes necessários para o sucesso. Gladwell ignora solenemente isso e procura identificar um padrão independente das questões individuais que determina o sucesso – e isso certamente ajuda a vender a idéia, os livros e as palestras dele mundo afora. Às vezes, dá a impressão de que ele busca evidências para comprovar suas hipóteses: identificando alguns trabalhos científicos e exemplos bem costurados, ele tira suas conclusões.
Vale a pena ler
De qualquer forma, como os demais livros do autor, a leitura é válida – tanto pelo fato de trazer à tona um assunto atraente, com uma abordagem diferente e com um pacote de informações enriquecedoras, como pela própria escrita em si, bastante agradável e envolvente. É sempre bom ler algo redigido e argumentado de forma inteligente e com fluência, desde que se mantenha o espírito crítico e não se deixe levar totalmente por isso.
Origem: oquederevier
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