Seu pensamento representou um exemplo da retomada da doutrina neoplatônica, durante o Renascimento.
Origem: cobra
Por Rubem Queiroz Cobra
Doutor em Geologia e bacharel em Filosofia
FILOSOFIA:
Autoconsciência
Campanella, como precursor de Descartes, afirmou o princípio da autoconsciência como base do conhecimento e da certeza (contra os aristotélicos).
Campanella começa a utilizar a palavra consciência no sentido que depois se tornou cartesiano. Consciência para ele é um sentimento de si mesmo. Porém este conhecimento é atribuído por Campanella a todas as coisas naturais, nisto difere de Descartes. Apesar de que sua Metafísica saiu em 1638, e o "Discurso sobre o método" saiu antes, o próprio Descartes diz em sua correspondência que havia lido obras suas nas quais deduzira da autoconsciência a certeza da própria realidade: De sensu rerum (1623), por exemplo. É muito provável que Campanella tenha inspirado a Descartes sua célebre frase.
A originalidade irredutível da consciência e o princípio de autoconsciência fazem dele um dos iniciadores do pensamento moderno. A consciência é um sentir. A consciência de si ou autoconsciência é a atividade cognoscitiva originária e elementar, sensus indictus ou inato que constitui o nosso ser. A alma se conhece por si mesma, essencialmente, como já dizia Santo Agostinho. Deste modo a autoconsciência contem, dentro de si, os elementos para uma integração metafísica que, portanto, é exigida também pela gnosiologia mais intransigente. Todo outro conhecimento pressupõe o sensus indictus ou inato que constitui o nosso ser.
Campanella dá o sentir espiritual como sensus indictus, e o sentir do segundo nível, que é a modificação causada pelo objeto, como sensus additus. Em relação ao saber o segundo é scientia illata.
A Dúvida
Seu ponto de partida (como depois o de Descartes) é a dúvida. Campanella foi o primeiro filósofo moderno a estabelecer a dúvida universal como ponto de partida de todo pensar verdadeiro e a tomar como base do conhecimento e da certeza a autoconsciência.
Campanella, como antes Santo Agostinho e depois Descartes, toma, através da dúvida, a consciência de si como critério de certeza. Adiantando-se a Descartes, Campanella foi o primeiro filósofo moderno a estabelecer a dúvida universal como ponto de partida de todo pensar verdadeiro.
Antecipa-se a Descartes no caminho, procurando a superação do ceticismo no argumento de Santo Agostinho, de que a própria dúvida e mesmo o erro nos dão a certeza da nossa existência: se me engano, existo (si fallor, sum) Posso duvidar de tudo, mas se duvido, penso, e se penso, existo: cogito, ergo sum.
A dúvida pode cair somente sobre os conhecimentos derivados, sensus additus; mas estes pressupõem sempre a nossa consciência modificada, aquela consciência da realidade, sensus indictus ou inato, da qual não pode haver dúvida.
"Campanella já apresentava o cogito como uma intuição, um conhecimento imediato de si mesmo, fusão de ser e conhecer, que por isso se diferencia de todo outro conhecimento que implique uma distinção entre sujeito e objeto. A intuição primitiva pela qual a alma, na sua imediata e perpétua presença ante si mesma, apreende a sua existência própria; constitui o princípio de toda certeza: somente deste conhecimento originário e primeiro (notitia innata) de alguém mesmo pode derivar qualquer conhecimento adicionado (notitia illata) de outras coisas. Sem a intuição interior de si mesmo, o espírito não pode ter apreensão de nada, porque qualquer percepção, sensível ou intelectual, sempre é apreensão de uma modificação de si mesmo, pela ação do objeto (sensível ou intelectual) do conhecimento.
Sentir como forma de consciência: na sensação conhecemos isto que viemos a ser através da própria sensação: "sentir é sentir de sentir" (um objeto pela modificação que ele me causa).
Sob este aspecto, portanto, os conhecimentos que querem ser objetivos deveriam considerar-se subjetivos: a tese do idealismo subjetivo torna-se antecipada, e a passagem da interioridade à exterioridade, isto é, da realidade do eu à do não eu parece muito difícil de realizar-se."
Veja-se em Descartes, o Bom Deus é a solução. Campanella, em compensação, escapava a essa falha porque nele se afirmava o princípio de que a autoconsciência inclui juntamente a consciência (e existência) do "eu" e do "não-eu". Este ponto, cujo caminho diverge do de Descartes, foi considerado injustamente por Blanchet como um elemento de inferioridade em Campanella.
"Na nossa vida presente (observa Campanella) não temos conhecimento abstrato do eu, separado de qualquer impressão que nos informe da nossa própria existência e natureza: temos a autoconsciência, por exemplo, no ato do pensamento, da dúvida, etc.; mas ao pensar e duvidar pensamos em alguma cousa, isto é, temos notícias adicionadas (notitiae illatae) e nelas justamente encontramos e reconhecemos a notitia innata do nosso eu, que não temos direta e isoladamente. Por isso, Campanella chega mesmo a declarar que na vida presente a alma, misturada com os objetos exteriores, tem no conhecimento agregado algo mais próprio à sua condição atual do que o inato.
A notícia inata de Campanella, então, é, num certo sentido, como o a priori de Kant: é conditio sine qua non para qualquer experiência, porém não tem existência atual anterior e separadamente da experiência, mas revela-se na apresentação efetiva desta. Antecipa-se igualmente ao pensamento de Leibniz ao manifestar na sua Metafísica a relação entre a experiência fluente (scientia illata) e as idéias inatas (scientia innata) da seguinte maneira: a experiência não dá ao sujeito cognoscente a idéia inata, mas oferece a esta noção fundamental a ocasião de se manifestar (Metafísica, livro VI, cap. IX, art. 1). Ora, no prefácio aos "Novos Ensaios sobre o Entendimento Humano" Leibniz supõe o inatismo não de idéias, mas de certas estruturas geradoras de idéias.
Como a noticia innata encontra a sua revelação através do sobrevir das noticiae illatae, pode, assim, dizer- se que a consciência efetiva do eu está vinculada naturalmente com o reconhecimento do não eu. Campanella não desenvolveu de maneira explícita esta conclusão; é, porém, inegável que na sua gnosiologia, embora obscuramente, a autoconsciência inclui juntamente a consciência do eu e a do não eu.
Primalidades do ser
Os atributos fundamentais de qualquer ser são o conhecimento, o amor, e a vontade, que seriam encontrados também em Deus (242 c). Eu sou como consciência, sei que sou: sapientia; Eu tenho a potência de ser, quero ser: potestas; Eu amo o meu existir, o meu "ser": amor. Esta colocação de Campanella é equivalente à que Santo Agostinho faz para a Santíssima Trindade.
Eu sou como consciência e tenho a potência de ser; sei que sou; quero ser; posse, nosse, velle, como participação "(assim discera também Santo Agostinho)"dos seres singulares na Trindade das Pessoas, que constitui a infinita essência divina.
Campanella, seguindo as pegadas de Santo Agostinho, tenta demonstrar que a natureza de qualquer cousa implica as três primalidades, ou ainda: 1) a sua existência, isto é, a sua possibilidade de afirmar-se, conservar-se e operar (potestas); 2) o esforço ou vontade de conservar o seu próprio ser (amor), e por isso 3) o conhecimento de si mesma e da sua natureza essencial (sapientia), que é condição necessária da sua auto-afirmação e impulso de conservação.
Sem dúvida intenta comprovar esta teoria pelo exemplo da pedra que deseja conservar-se pedra e por isso torna a cair na terra ao ser atirada para cima; do homem que deseja conservar-se por sua personalidade, pelos filhos, pela fama, pela participação na vida eterna de Deus.
Primalidades do Não-ser: Ainda acompanhando a linha aristotélica, esses atributos constituem a essência de todas as coisas e, novamente aqui, uma generalização além do homem. A potestas, a sapientia e o amor "(as três primalidades que constituem a essência de todas as coisas)" são limitadas; por isso são e não são, e assim existem três primalidades do não ser"(impotência, insipiência e ódio)" também elas constituintes da essência de todas as coisas finitas; portanto remetem à potestade, sapiência e ao amor absoluto de Deus.
Todos os seres fogem das primalidades do não ser: impotência, ódio e insipientia. São os três contrários das primalidades do ser, também elas constitutivas da essência de todas as coisas finitas.
Relação de interdependência entre as primalidades
Campanella estabelece a interdependência entre esses três princípios constitutivos. A potência seria cega sem o saber, que por isso é inerente a ela; como lhe é inerente também o eterno amor, amor de si mesmo porque todo ser tende a conservar-se, a estender-se e a perpetuar-se e o amor de si é a condição necessária para o amor de toda outra coisa.
O Sentir não garante a objetividade do conhecer.
Relação com Deus: Deus, alma do mundo, como também dizia Bruno. Move todas as coisas por uma intimidade maior com elas do que aquela pela qual a nossa alma move o nosso corpo. Para ele os filósofos devem ter fé na natureza, e não no sobrenatural. Todos os que vivem e agem de acordo com a reta razão se salvam porque a lei da natureza é a lei de Cristo, mesmo sem receber os sacramentos.
Para Campanella, somos, como seres finitos, o reflexo de Deus, ser infinito, e absoluta potência, sapiência e amor, como Mente em que estão as idéias das coisas. Participamos (através da consciência) de Deus no sentido de um neoplatonismo.
Campanella esclarece, através do neoplatonismo agostiniano, que a dignidade do homem reside no "participar" das três primalidades do Criador, e que o homem tende, em cada uma, para o absoluto, portanto para Deus, que é o absoluto de cada primalidade, movidos pela necessidade de completar-se na perfeição absoluta de Deus.
Relação do homem com Deus tem caráter neoplatônico. Os elementos do espírito, poder ou vontade, conhecimento e amor, participam do poder, do amor e do conhecimento infinito de Deus (as 3 primalidades do Criador), fugindo das primalidades do não ser: impotência, ódio e insipiência (p. 242 d)
Tese político-religiosa
Todas as nações devem aceitar a religião cristã. Chegou a propor um estado universal governado pelo Papa (monarquia dos cristãos). Muda de concepção sobre como alcançar o estado universal. Primeiro pensou na Monarchia di Spagna, que a monarquia espanhola o faria. Nessa obra (1599) formula a idéia de uma sociedade universal, tendo por chefe o Papa e com o senado composto por todos os príncipes do mundo.
Uma comunidade ideal a ser governada por homens iluminados pela razão; todo o trabalho de cada um era destinado ao patrimônio comum. Propriedade privada, riqueza indevida e também a pobreza não existiriam, porque a nenhum homem seria permitido ter mais que o necessário (trabalho muito explorado pelos marxistas modernos)
Em "Cidade do Sol" (1623) seguindo a república de Platão, imagina uma cidade ideal, sem hierarquias, na qual todos trabalham e as várias funções são adequadamente repartidas. É abolida a propriedade privada, toda habitação separada, a família e tudo que alimenta o egoísmo; o bem individual é subordinado ao bem da comunidade. Depois, na sua Monarchia Messiae, quer que o Papa se transforme em realizador do ideal
Campanella escreveu sobre um largo espectro de assuntos, desde a filosofia de Telésio a filosofia política e astrologia. Em 1622 publicou sua Apologia pro Galileo ("Em Defesa de Galileu") no qual defendia o sistema de Copérnico e a separação das passagens das Escrituras e a natureza para o conhecimento do Criador. Em sua aproximação animística, neoplatônica, e astrológica, do Criador, ele argumentou que a verdade sobre a natureza não está revelada nas Escrituras e pedia liberdade de pensamento na especulação filosófica. Campanella foi grande admirador de Galileu e correspondeu com ele por muitos anos.
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