É considerado um dos maiores escritores de todos os tempos, tido como o fundador do existencialismo devido à obra Memórias do subterrâneo.
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Fiódor Mikhailovich Dostoiévski[nota 1] (em russo Фёдор Миха́йлович Достое́вский, AFI [ˈfʲodər mʲɪˈxajləvʲɪtɕ dəstɐˈjɛfskʲɪj]; Moscovo, 11 de Novembro de 1821 — São Petersburgo, 9 de Fevereiro de 1881) – ocasionalmente grafado como Dostoievsky – foi um escritor russo, considerado um dos maiores romancistas da literatura russa e um dos mais inovadores artistas de todos os tempos.[3] É tido como o fundador do existencialismo, mais frequentemente por Notas do Subterrâneo, descrito por Walter Kaufmann como a "melhor proposta para existencialismo já escrita."[4]
A obra dostoievskiana explora a autodestruição, a humilhação e o assassinato, além de analisar estados patológicos que levam ao suicídio, à loucura e ao homicídio: seus escritos são chamados por isso de "romances de idéias", pela retratação filosófica e atemporal dessas situações.[5] O modernismo literário e várias escolas da teologia e psicologia foram influenciadas por suas idéias.[5]
Dostoiévski, aos 17 anos, teve uma grande crise de epilepsia após saber que seu pai havia sido assassinado pelos próprios colonos,[6] e deixou o exército cinco anos depois para dedicar-se integralmente à atividade literária. Dostoiévski passou a afastar-se das armas, mas acabou envolvendo-se em conspirações revolucionárias, das quais passou pela prisão e pela condenação de morte, embora a pena tenha sido comutada. Alguns autores acreditam que essas dificuldades pessoais auxiliariam Fiódor a se estabelecer como um dos maiores romancistas do mundo,[7] mas de fato seu reconhecimento definitivo como "escritor universal" veio somente depois dos anos 1860, com a publicação de seus grandes romances: O Idiota e Crime e Castigo, este publicado em 1866, considerado por muitos como uma das obras mais famosas da literatura mundial.[8]
Seu último romance, Os Irmãos Karamazov, foi considerado por Sigmund Freud como o melhor romance já escrito.[9] Segundo o biógrafo Nicholas Berdiaiev, a obra dostoievskiana vem atingindo grande popularidade no Brasil por causa de "[…][suas] características muito próximas do brasileiro", e salienta que "[a obra de Fiódor] é marcada pelo anticapitalismo, por uma reação ao capitalismo selvagem, algo que parece tocar o leitor brasileiro hoje."[10] A obra de Dostoiévski exerce uma grande influência no romance moderno, legando a ele um estilo caótico, desordenado e que apresenta uma realidade alucinada.[10]
Biografia
Primeiros anos
Fiódor foi o segundo dos sete filhos nascidos do casamento entre Mikhail Dostoyevski e Maria Fedorovna. Mikhail era um pai autoritário, então médico no Hospital de pobres Mariinski, em Moscou,[11] e a mãe era vista pelos filhos como um paraíso de amor e de proteção do ambiente familiar.
Seu pai tornou-se um nobre em 1828.[5] Até 1833, Fiódor foi educado em casa, mas com a morte precoce da mãe por tuberculose em 1837, e a decorrente depressão e alcoolismo do pai, foi conduzido, com o irmão Fiódor Mikhail, à Escola Militar de Engenharia de São Petersburgo, onde começou a demonstrar interesse pela Literatura.[12]
Em 1839, quando tinha dezoito anos, recebeu a notícia de que seu pai havia morrido. É aceito hoje, porém sem provas concretas, que o doutor Mikhail Dostoiévski, seu pai, foi assassinado pelos próprios servos de sua propriedade rural em Daravói, indignados com os maus tratos sofridos.[13] Tal fato exerceu enorme influência sobre o futuro do jovem Fiódor, que desejou impetuosamente a morte de seu progenitor e em contrapartida se culpou por isso, fato que motivou Freud a escrever o polêmico artigo Dostoiévski e o Parricídio.[14][15]
Dostoiévski sofria de epilepsia e seu primeiro ataque ocorreu quando tinha nove anos.[16] Suas experiências epiléticas serviram-lhe de base para a descrição de alguns de seus personagens, como o príncipe Myshkin no romance O idiota, e de Smerdyakov na obra Os Irmãos Karamazov.
Início da carreira literária
Na Academia Militar de Engenharia, em São Petersburgo, Dostoiévski aprendeu matemática, um tema que desprezava. Também estudou a obra de Shakespeare, Pascal, Victor Hugo e E.T.A. Hoffmann. Nesse mesmo ano, escreveu duas peças românticas, Mary Stuart e Boris Godunov, influenciado pelo poeta romântico alemão Friedrich Schiller. Dostoiévski descrevia-se como um "sonhador" em sua juventude e, em seguida, um admirador de Schiller. Em 1843, terminou seus estudos de engenharia e adquiriu a patente de tenente militar, ingressando na Direcção-Geral dos Engenheiros, em São Petersburgo.
Em 1844, Honoré de Balzac o visitou em São Petersburgo, e Dostoiévski, como uma forma de admiração, fez sua primeira tradução, Eugenia Grandet,[5] e saldou uma dívida de 300 rublos com um agiota. Esta tradução despertou sua vocação, levando-o pouco tempo depois a abandonar o exército para dedicar-se exclusivamente à literatura.[17] Trabalhou como desenhista técnico no Ministério da Guerra, em São Petersburgo. Fez traduções de Balzac e George Sand.
Alugou, em 1844, uma casa em São Petersburgo e dedicou-se à escrita de corpo e alma. Nesse mesmo ano, deixou o exército e começou a escrever sua primeira obra, o romance epistolar Gente Pobre,[18] trabalho que iria fornecer-lhe êxitos da crítica literária, cuja leitura de Bielínski, o mais influente crítico da literatura russa, o fez acreditar ser Dostoiévski "a mais nova revelação do cenário literário do pais."
Em O Diário de um Escritor, recordou que após concluir Gente Pobre deu uma cópia para seu amigo Dmitry Grigorovich, que a entregou ao poeta Nikolai Alekseevich Nekrasov. Com a leitura do manuscrito em voz alta, ambos ficaram extasiados pela percepção psicológica da obra.[5] Às quatro horas da manhã, foram até Dostoiévski para dizer que seu primeiro romance era uma obra-prima. Nekrasov mais tarde entregou a obra a Bielínski. "Um novo Gogol apareceu!", disse Nekrasov. "Com você, a primavera de Gogol nasce como cogumelos!". Bielínski respondeu a Dostoiévski.[5]
Saí da casa dele [Bielínski] em estado de êxtase. Parei por um instante na esquina de sua casa, olhei para o céu, para o sol luminoso, para as pessoas que passavam, e compreendi, no mais fundo do meu ser, que aquele tinha sido um momento solene na minha vida, um marco decisivo, que alguma coisa inteiramente nova havia começado.
– Dostoiévski sobre as palavras de Bielínski, em, 'Diário de um Escritor'
O livro foi publicado no ano seguinte, fazendo de Dostoiévski uma celebridade literária aos vinte e quatro anos de idade. Ao mesmo tempo, começou a contrair algumas dívidas e sofrer mais freqüentemente de epilepsia. Seus romances seguintes, Duas vezes (1846), Noites Brancas (1848), que retrata a mentalidade de um sonhador, Niétochka Nezvánova (1849) e a Inveja do Marido e Esposa de Outro, não tiveram o êxito esperado, e sofreram críticas muito negativas, que fizeram com que Dostoiévski mergulhasse em depressão.[15] Nesta época entrou em contato com alguns grupos de idéias utópicas, chamados niilistas, que procuravam a liberdade humana.[19][20]
Exílio na Sibéria
Dostoiévski foi detido e preso em 23 de abril de 1849 por participar de um grupo intelectual liberal chamado Círculo Petrashevski, sob acusação de conspirar contra o Nicolau I da Rússia.[5] Depois das revoluções de 1848, na Europa, Nicolau mostrou-se relutante a qualquer organização clandestina que poderia pôr em risco sua autocracia.[5]
Em 23 de abril de 1849, ele e os outros membros do Círculo Petrashevski foram presos. Dostoiévski passou oito meses na prisão até que, em 22 de dezembro, a sentença de morte por fuzilamento foi anunciada. Dostoiévski teve de situar-se em frente ao pelotão de fuzilamento com uma venda e até mesmo ouvir os seus disparos. No último momento, as armas foram abaixadas e um mensageiro trouxe a informação de que czar havia decidido poupar a vida do escritor.[5] Sua pena foi comutada para cinco anos de árduo trabalho em Omsk, na Sibéria.
O príncipe Myshkin, de O Idiota, oferece várias descrições sobre essa mesma experiência. Após a simulação da execução, Fiódor passou a apreciar o próprio processo da vida como um dom incomparável e, ao contrário do determinismo e do pensamento materialista, o valor da liberdade, integridade e responsabilidade individual.[5]
Durante este tempo os ataques epiléticos aumentaram ainda mais. Anos mais tarde, Dostoiévski descreveu seu sofrimento para seu ao irmão, dizendo-se um "silenciado em um caixão "[21] e que o local onde estava "deveria ter sido demolido anos atrás".
No verão, confinamento intolerável, no inverno, frio insuportável. Todos os pisos estavam podres. A sujeira no chão tinha uma polegada de espessura; alguém poderia tropeçar e cair… Éramos empilhados como anéis de um barril… Nem sequer havia lugar para caminhar… Era impossível não se comportar como suínos, desde o amanhecer até o pôr-do-sol. Pulgas, piolhos, besouros a celemim.
– Dostoiévski sobre seu local de prisão[22]
Foi libertado em 1854 e condenado a quatro anos de serviço no Sétimo Batalhão, na fortaleza de Semipalatinsk, no Cazaquistão, além de soldado por tempo indefinido.[5] Apaixona-se por Maria Dimítrievna Issáievna, mulher de um conhecido. Com a morte do marido e já no próximo ano, em fevereiro de 1857, casam-se.[23] Na noite de núpcias Dostoiévski sofreu uma violenta crise de epilepsia.[24]
Carreira literária posterior
Depois de dez anos voltou à Rússia.[5] Na Sibéria chamou a experiência de uma "regeneração" das suas convicções, e rejeitou a atitude condescendente de intelectuais, que pretendiam impor seus ideais políticos sobre a sociedade, e chegou a acreditar na bondade fundamental da dignidade e do povo comum. Descreveu esta mudança no esboço que aparece em O Diário de um Escritor, O Mujique Marei: "Sou filho da descrença e da dúvida, até ao presente e mesmo até à sepultura. Que terrível sofrimento me causou, e me causa ainda, a sede de crer, tanto mais forte na minha alma quanto maior é o número de argumentos contrários que em mim existe! Nada há de mais belo, de mais profundo, de mais perfeito do que Cristo. Não só não há nada, mas nem sequer pode haver."[5]
Estudos médicos permitiram diagnosticar que Fiódor sofria de epilepsia temporal. Suas crises sistemáticas, que ele atribuía a "uma experiência com Deus", tiveram papel importante em sua crise religiosa e em sua conversão durante o desterro, quando a Bíblia era sua única leitura. Dostoiévski se tornou um forte crítico do niilismo e do movimento socialista, e dedicou em seu livro O Diário de um Escritor para expor idéias críticas ao conservadorismo socialista.[25][26] Formou uma amizade com o estadista conservador Konstantin Pobedonostsev e abraçou alguns dos princípios do Pochvennichestvo. Por este tempo começou a escrever Memórias da Casa dos Mortos, baseado em suas experiências como prisioneiro.[5]
Em 1859, após meses de árduo esforço, conseguiu ser solto sob a condição de residir em qualquer lugar, exceto em São Petersburgo e Moscou, e assim, mudou-se para Tver. Ele conseguiu publicar O Sonho do Tio e Adeia Stepánchikovo. As obras não obtiveram as críticas esperadas por Dostoiévski.[17] Em dezembro do mesmo ano, foi finalmente autorizado a regressar a São Petersburgo, onde fundou com seu irmão Mikhail a revista Vremya ("Tempo"), que no primeiro número publicou Humilhados e Ofendidos, também inspirada em seu trabalho na Sibéria.[5] Sua obra Memórias da Casa dos Mortos foi um enorme sucesso quando então publicada em capítulos no jornal O Mundo Russo.[27]
Entre 1862 e 1863, fez várias viagens pela Europa, incluindo Berlim, Paris, Londres, Genebra, Turim, Florença e Viena. Durante essas viagens teve um relacionamento amoroso fugaz com Paulina Súslova, uma estudante de idéias progressistas. Perdeu muito dinheiro jogando e retornou à Rússia no fim de outubro de 1863, sozinho e sem recursos. Durante este tempo o seu jornal tinha sido proibido, por publicar um artigo sobre a Revolução Polaca de 1863.[17]
Em 1864, conseguiu editar com seu irmão o jornal chamado Epoja ("Época"), onde publicou Memórias do Subsolo. Seu ânimo acabou após a morte de sua esposa, seguida pouco depois pela de seu irmão. Além disso, seu irmão Mikhail deixou uma viúva, quatro filhos e uma dívida de 25 mil rublos, tendo de sustentá-los.[17] Profundamente depressivo e viciado em jogos, acumulou enormes dívidas. Para sanar seus problemas financeiros, fugiu para o estrangeiro, onde perdeu o restante do dinheiro que ganhara em cassinos.[24] Ali se reencontrou com Paulina Súslova e tentou reatar o relacionamento, mas foi rejeitado.
Em 1865 começou a elaborar Crime e Castigo, uma de suas obras capitais, que apareceu na revista O Mensageiro Russo, com grande sucesso. Quando seu editor determinou um curto prazo para que terminasse o livro, contratou Anna Grigórievna Snítkina, na época com vinte e quatro anos, a quem dedicou, em apenas vinte e seis dias, o livro O Jogador.[24] O relacionamento com Anna finalmente terminou em casamento em 15 de fevereiro de 1867.[24]
Juntos continuaram a viajar pela Europa e Genebra, onde nasceu e morreu pouco tempo depois sua primeira filha. Em 1868 escreveu O Idiota e, em 1871, terminou Os Endemoniados, publicado no ano seguinte. A partir de 1873 publicou em jornal Diário de um Escritor, que escreveu sozinho, compilando histórias curtas, artigos políticos e críticas literárias, obtendo grande sucesso. Esta publicação seria interrompida em 1878, para dar início à elaboração do seu último romance, Os Irmãos Karamazov, que foi publicado em grande parte no jornal russo O Mensageiro.
Em 1880 participou da inauguração do monumento a Aleksandr Pushkin em Moscou, onde proferiu um discurso memorável sobre o destino da Rússia no mundo. Em 8 de novembro desse ano, termina Os Irmãos Karamazov, em São Petersburgo. Morreu nesta cidade, em 9 de fevereiro de 1881, de uma hemorragia pulmonar associada com enfisema e ataque epiléptico. Foi enterrado no Cemitério Tijvin, dentro do monastério Alexander Nevsky em São Petersburgo. Estima-se que o funeral foi assistido por cerca de sessenta mil pessoas.[28] Em sua lápide pode-se ler os seguintes versos de São João, que também serviu como subtítulo de seu último romance, Os Irmãos Karamazov:
Na verdade, na verdade vos digo que, se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer, dá muito fruto. — Evangelho segundo João, 12:24[29]
Obra
Estilo
Dostoiévski necessitava de dinheiro e sempre fora apressado em concluir suas obras, por isso disse não conseguir realizar seu pleno poder literário.[5] Mais tarde, por saber bem o que as seguintes palavras significavam, disse: "A pobreza e a miséria formam o artista."[30] Embora a frase pareça abrangente e generalizada, Fiódor costumou desviar-se do estilo de escritores que descreviam o círculo da família moldados na tradição e nas "belas formas", e engendrou no caos familiar os que humilhavam e insultavam.[5] Essencialmente um escritor de mitos (e às vezes comparado por isso a Herman Melville), criou um trabalho com uma enorme vitalidade e de um poder quase hipnótico, caracterizado por cenas febris e dramáticas, onde os personagens apresentam comportamento escandaloso, e atmosferas explosivas, envolvidas em diálogos socráticos apaixonados, a busca de Deus, do mal e do sofrimento dos inocentes.[5]
Seus romances ocorrem em um período curto (por vezes apenas alguns dias), o que permite ao autor fugir de uma das características dominantes da prosa realista: a degradação física que ocorre ao longo do tempo. Seus personagens encarnam valores espirituais que são, por definição, atemporais. Outros temas recorrentes em sua obra são suicídio, orgulho ferido, a destruição dos valores familiares, o renascimento espiritual através do sofrimento, a rejeição do Ocidente e da afirmação da ortodoxia russa e o czarismo.[31] Estudiosos como Mikhail Bajtín têm caracterizado o trabalho de Dostoiévski como diferente de outros romancistas; ele parece não aspirar por uma visão única e vai além da descrição sob diferentes ângulos. Dostoiévski engenhou romances cheios de força dramática em que os personagens e os opostos pontos de vista são realizados livremente, em violenta dinâmica.[32]
O espaço e o tempo em Dostoiévski é analisado às vezes como "discreto, onde o inesperado não apenas é possível como também sempre se realiza".[33] Através da minimização do tempo de passagem, onde os fatos aparecem de forma de repente, o instante ganha o tempo e logo depois relaxa, desaparecendo nas cenas.[33] Certos autores comparam o tempo e o espaço em Dostoiévski como cenas cinematográficas: o uso constante da palavra russa vdrug (de repente), que aparece 560 vezes na edição russa de Crime e Castigo, tem a proposta de levar ao leitor a impressão de tensão, de desigualdade e de nervosismo, elementos característicos da estrutura do romance dostoievskiano.[33] Além da palavra vdrug em Crime e Castigo, a literatura de Dostoiévski utiliza muito os números, às vezes usando-os com extrema precisão: a dois passos...., duas ruas a direita, como também usa números elevados e redondos (100, 1000, 10000). Acredita-se que esses elementos são "mitopoéticos": Crime e Castigo possui sete partes (6 partes e o epílogo), sendo que, na composição do romance, ele é dividido em 7 capítulos (cada parte), e a "hora fatídica" é indicada como depois das 7.[34] Na literatura dostoievskiana, o processo de evolução da humanidade se dá exclusivamente pela repetição de dificuldades e ocasiões, e também pelo uso da memória e da lembrança, por mais infernal que tudo isso possa parecer ao personagem.[34]
Fiódor publicou inúmeros contos: O Mujique Marëi, O Sonho de um Homem Ridículo, Bobock e outros, além de novelas: O Senhor Prokhartchin, A Dócil, O Homem Debaixo da Cama, Uma História Suja, O Pequeno Herói, Uma Criatura Gentil, Coração Fraco e Noites Brancas. Criou duas revistas literárias: Tempo (Vrêmia) e Época, colaborando ainda nos principais órgãos da imprensa russa.
Personagens
Provavelmente Dostoiévski foi muito influenciado por tradições folclóricas. Algumas acreditavam que as águas de rios, mares e lagos representava a fronteira entre o mundo dos vivos e o mundo dos mortos. Geograficamente, além do rio Nieva, na Rússia, coexistem outros meios aquáticos e por conta disso a cidade de São Petersburgo tornou-se fantástica e diabólica, o que influenciou a cultura popular e a literatura russa, juntamente com Fiódor.[35] Por conta da influência que arrecadou através dessa cultura – onde o Homem está entre a vida e a morte – as personagens da literatura de Fiódor estão constantemente expostas a ocasiões complexas, beirando os limites da razão e da lógica, e os limites do que o ser humano é capaz de realizar diante de problemas universais;[35] contudo, em geral, as personagens de Fiódor podem ser classificados em diferentes categorias: cristãos humildes e modestos (Príncipe Mishkin, Sonia Marmeládova, Aliosha Karamazov), autodestrutivos e niilistas (Svidrigáilov, Smerdiakov, Stavroguin, Maslobóiev), cínicos e libertinos (Fiódor Karamazov, Prince Valkorskij), intelectuais rebeldes (Rodion Românovitch Raskólnikov, Ivan Karamazov), enquanto regidos por idéias e não imperações sociais ou biológicas.[31]
Crítica
Segundo o escritor Mário Pontes, as novas traduções em língua portuguesa – lançadas no Brasil – das obras de Dostoiévski, como O Idiota[36] demonstram um estilo "menos castiço", argumentando que "[…]toda a obra [original] de Dostoiévski foi escrita em circunstâncias adversas: luto, doenças, dívidas, incontrolável atração pelo jogo, censura e vigilância policial, daí porque a pressa transparece nos seus romances, onde uma descrição pode ser interrompida de repente por um nervoso, etc."[37] Segundo Mário Pontes, os romances de Dostoiévski apresentam incoerências, repetições e saltos derivados desses problemas pessoais do autor.[37] Embora o crítico avalie as traduções mais antigas como trabalhos feitos em cima de edições francesas que possivelmente traziam erros, e que as novas edições brasileiras apresentam um estilo dostoievskiano "muito menos castiço do que os anteriores", ele diz que, todavia, "[estão] muito mais próximo[s] do original", e finaliza dizendo que "[…]todos esses acidentes e defeitos, que as novas traduções se empenham em preservar, não bastam para afetar o interesse que desperta no leitor a profundidade do mergulho de Dostoiévski na alma humana."[37]
Legado e influência
O russo Alexey Rémizov durante exílio em Paris, em 1927, escreveu: "A Rússia é Dostoiévski. Rússia não existe sem Dostoiévski. "[28] A maioria dos críticos concorda que Dostoiévski, Dante Alighieri, William Shakespeare, Miguel de Cervantes, Victor Hugo e outros poucos escolhidos tiveram uma influência decisiva sobre a literatura do século XX, especialmente no existencialismo e expressionismo.[38]
A influência de Dostoiévski é imensa, de Hermann Hesse a Marcel Proust, William Faulkner, Albert Camus, Franz Kafka, Yukio Mishima, Roberto Arlt, Ernesto Sábato e Gabriel García Márquez, para citar alguns autores.[28][39] Na verdade, nenhum dos grandes escritores do século XX foram alheios ao seu trabalho (com algumas raras exceções, tais como Vladimir Nabokov, Henry James ou D.H. Lawrence). O romancista americano Ernest Hemingway também citou Dostoiévski em uma de suas últimas entrevistas como uma das suas principais influências.[40]
Nietzsche referiu-se a Dostoiévski como "o único psicólogo com que tenho algo a aprender: ele pertence às inesperadas felicidades da minha vida, até mesmo a descoberta Stendhal." Certa vez disse, referindo a Notas do Subsolo: "chorei verdade a partir do sangue". Nietzsche refere-se constantemente a Dostoiévski em suas notas e rascunhos no internato entre 1886 e 1887, além de escrever diversos resumos das obras de Dostoiévski. "Um grande catalisador: Nietzsche e neo-idealismo russo", disse Mihajlo Mihajlov.
Com a publicação de Crime e Castigo em 1866, Fiódor se tornou um dos mais proeminentes autores da Rússia no século XIX, tido como um dos fundadores do movimento filosófico conhecido como existencialismo. Em particular, Memórias do Subsolo, publicado pela primeira vez em 1864, tem sido descrito como o trabalho fundador do existencialismo.[31] Para Dostoiévski, a guerra é a revolta do povo contra a idéia de que a razão orienta tudo.[4]
Na cultura popular
O filme The Machinist é repleto de referências e citações a obra de Dostoiévski.
Referências
1. ↑ Dostoevsky's other Quixote (influence of Miguel de Cervantes' Don Quixote on Fyodor Dostoevsky's The Idiot) Fambrough, Preston.
2. ↑ Escritores que influenciaron a Dostoyevski.
3. ↑ ___ "Problemas da Poética de Dostoiévski / Mikhail Bakhtin", em Amigos do Livro. Acesso: 11 de novembro, 2008
4. ↑ 4,0 4,1 Existentialism from Dostoevsky to Sartre Walter Kaufmann ISBN 0-452-00930-8 página 12
5. ↑ 5,00 5,01 5,02 5,03 5,04 5,05 5,06 5,07 5,08 5,09 5,10 5,11 5,12 5,13 5,14 5,15 5,16 5,17 Encyclopædia Britannica Online (em português).
6. ↑ _______ Biografias: Fiódor Dostoiévski, em http://educacao.uol.com.br/. Acesso: 9 de Novembro, 2008
7. ↑ _____ Fiodor Dostoievski Biografia, em http://www.klickescritores.com.br Acesso: 9 de Novembro, 2008
8. ↑ Bibliomania.
9. ↑ Freud, Sigmund, Writings on Art and Literature
10. ↑ 10,0 10,1 ___ "Fiodor Mikhailovitch Dostoiévski", em Café Dostoiévski. Acesso: 11 de novembro, 2008
11. ↑ Fedor Dostoïevski, Les Démons (Les Possédés), chronologie, p. 751, ISBN 2070394166
12. ↑ Biografia de Fiódor Dostoyevski em Biografias e Vidas.
13. ↑ Biografía de Fiódor Dostoyevski en fedordostoievsky.com.
14. ↑ Notas desde el subsuelo Coradella Collegita Bookshelf edition, Acerca del autor..
15. ↑ 15,0 15,1 Revista de la Universidad UNAM (México).
16. ↑ epilepsy.com Autores famosos com epilepsia..
17. ↑ 17,0 17,1 17,2 17,3 Cronologia de Fiódor Dostoyevski.
18. ↑ ibid
19. ↑ Dostoyevski frente al nihilismo.
20. ↑ Biografia de Dostoyevski em Literaturas.com.
21. ↑ Carta de Dostoyevski a su hermano.
22. ↑ Vida en el exilio Frank 76. Quoted from Pisma, I: 135-137.
23. ↑ lpm-editores.com.br (em português).
24. ↑ 24,0 24,1 24,2 24,3 Biografia Grandes autores (em português).
25. ↑ Dostoevsky the Thinker, James P. Scanlan, Ithaca: Cornell University Press, 2002. xiii, 251 pp. ISBN 0-8014-3994-9
26. ↑ Dostoevsky's View of Evil Reprinted from In Communion, Abril 1998..
27. ↑ Biografía de Fiódor Dostoyevski em Letrópolis.
28. ↑ 28,0 28,1 28,2 Diario La Capital: «Fedor Dostoievski, el escriba del alma».
29. ↑ Evangelho de João 12:24, Almeida Corrigida e Revisada Fiel, 1994 (em português).
30. ↑ Título ainda não informado (favor adicionar).. Acesso: 25 de outubro, 2008.
31. ↑ 31,0 31,1 31,2 Influencia de Fiódor Dostoyevski en la Literatura.
32. ↑ Mijaíl Bajtín, Problems of Dostoevsky´s Poetics. Minneapolis: University of Minnesota Press, 1984, 211; ISBN 0816612285
33. ↑ 33,0 33,1 33,2 Vladimir Toporov, p.4
34. ↑ 34,0 34,1 Vladimir Toporov, p.6
35. ↑ 35,0 35,1 Vladimir Toporov, p.5
36. ↑ Fiodor Dostoiévski, O Idiota (Trad. Paulo Bezerra) Editora 34, 672 páginas.
37. ↑ 37,0 37,1 37,2 Mário Pontes, "Tradução revela Dostoiévski menos castiço". Acesso: 10 de Novembro, 2008
38. ↑ Entrada sobre el «Existencialismo» en MSN Encarta.
39. ↑ Antes del fin, Ernesto Sábato, Capítulo I; ISBN 8432207667
40. ↑ Revista Escáner Cultural.
Obras citadas
- Um estudo de Vladimir Toporov (Doutorando Edelcio Rodiney Américo - USP), A Estrutura do Romance de Dostoiévski em Relação com Esquemas Arcaicos do Pensamento Mitológico
1. ↑ A falta de critérios mais definidos para a transliteração do alfabeto cirílico para o latino no idioma português faz com que existam diversas variantes da grafia do nome possam ser utilizadas simultaneamente; além de Fiodor Dostoiévski, pode-se encontrar comumente a versão anglicizada Fyodor Dostoievsky, e híbridos como Dostoiévsky.
Bibliografia
Língua portuguesa (traduções e leitura adicional)
- DOSTOIÉVSKI, Fiodor. Crime e Castigo. Trad. Paulo Bezerra. Editora 34, São Paulo, 2001.
- AMERICO, Edelcio, Texto de São Petersburgo na literatura russa, dissertação, Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas USP, 2006, Biblioteca FFLCH-USP (setor de teses).
- BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski, Editora Forense Universitária, 2ª edição, São Paulo, 1997.
- LÓTMAN, Iúri. Simbologia de São Petersburgo e os problemas da semiótica da cidade (Simvólika Peterburga i problemy semiótiki góroda)//Istoria i tipológuia rússkoi kultury, São Petersburgo, 2002, págs. 208-221.
- MELETÍNSKI, Eleazar. Os arquétipos literários, Ateliê Editorial, São Paulo, 1998.
- TOPOROV, Vladimir. Petersburgo e o texto de São Petersburgo da literatura russa (Peterburg i peterbúrgskii tekst rússkoi literatury)// Peterbúrgskii tekst rússkoi literatury, São Petersburgo, 2003
- ___ Mito, ritual, símbolo e imagem, ("Mif, Ritual, Simbol, Obraz"), pág- 193-211. Moscou, 1993.
- PROPP, Vladimir. Morfologia do conto maravilhoso, Forense-Universitária, Rio de Janeiro, 1984.
- Dostoïevski, John Cowper Powys, préface de Marc-Edouard Nabe, Bartillat, Paris, 2001 ISBN 284100242X
- La transversalité du thème religieux dans Les Démons (ou les Possédés) de Dostoïevski, par A. Messaoudi, Paris, éditeur Indépendant, 2006, 358 p. ISBN 2353350062
- Dostoïevski, mémoires d'une vie, par sa femme A.G. Dostoïevskaïa, aux éditions Mémoire du Livre
- "Instant historique" in Les Très Riches Heures de l'humanité, Stefan Zweig, éd. Livre de Poche, 2005: récit du simulacre d'exécution sur la place Semenov le 22 décembre 1849.
- L'esprit de Dostoievski, par Nicolas Berdiaeff (1921), éd. St-Michel 1929, Paris et Liège.
- La vie pathétique de Dostoïevski, par André Levinson, éd. Plon, Paris, 1931.
- La philosophie de la tragédie, Dostoïevski et Nietzsche, par Léon Chestov, Paris, J. Shiffrin - Editions de la Pléiade 1926.
- La Création littéraire chez Dostoïevski, Jacques Catteau, Paris, Institut d'études slaves, 1978. ISBN 2720401420
- La Figure du crime chez Dostoïevski, Vladimir Marinov, Paris, Puf, 1990. ISBN 2130431739
- Correspondance de Dostoïevski (1832-1864), présentée par Jacques Catteau, traduction d'Anne Coldefy-Faucard, éd. Bartillat, 1998, 816 pages.
- Dostoïevski, les années miraculeuses (1865-1871), Joseph Frank, traduit de l'américain par Aline Weil, éd. Actes Sud, 1998, 768 pages.
- Récit et foi chez Fédor M. Dostoïevski. Contribution narratologique et théologique aux "Notes d'un souterrain" (1864), Daniel S. Larangé, Paris-Turin-Budapest, éd. L'Harmattan, 2002 (Critiques littéraires). ISBN 2747518450
- Dostoïevski, biographie par Leonid Grossman, Éd. Parangon, Paris, 2003.
- La poétique de Dostoïevski, Mikhaïl Bakhtine.
- Vérité romanesque et mensonge romantique, René Girard.
- Dostoïevski, André Gide.
- Dostoevsky, Joseph Frank. Princeton University Press, Princeton, 1979-2003 (5 volumes).
- Económica, Bajtín, Mijail.México D.F., 1986.
- Crime and Punishment, Fyodor Dostoevsky, translated by Richard Pevear and Larissa Volokhonsky. Vintage Classics, 1992, New York.
- Crime and Punishment, Fyodor Dostoevsky, translated by Constance Garnett, introduction by Joseph Frank. Bantam Books, 1987, New York.
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