O Retrato de Dorian Gray - Oscar Wilde

Único romance escrito pelo autor, considerado um clássico moderno, uma das maiores obras literárias da humanidade.

Dorian Gray e o RetratoOrigem: anica

Por Anica

Único romance de Oscar Wilde, já reconhecido como clássico, O Retrato de Dorian Gray desde o início revela a marca fundamental do autor: seu sarcasmo. Esse tom é fácil de ser percebido em suas diversas frases paradoxais, outras de humor cáustico, em sua grande maioria proferidas pelo personagem Lorde Henry Wotton.



 No livro, Wilde usa como pano de fundo o pacto feito entre Dorian Gray e seu destino, para que o primeiro não recebesse as marcas da vida, permanecendo eternamente belo, enquanto seu retrato pintado pelo artista Basil Hallward enfeava-se, para discutir questões como casamento, amizade, metafísica e, obviamente, valores morais.

É evidente uma referência à homossexualidade, uma vez que Dorian Gray por diversas vezes nutre mais do que admiração por determinados personagens masculinos da história, como o próprio Lorde Henry Wotton, ou ainda Basil em algum momento revela a Dorian sua admiração, ciúme e outros sentimentos que surgiram enquanto retratava Dorian.

Apesar da obra ter sido originalmente composta em capítulos separados e então agrupados em um único livro, o texto mostra-se fluente, outra característica notável do autor, observadas até mesmo por seu filho, Vyvyan Holland (na nota de abertura de De Profundis) . Mesmo assim, apresenta quebras de fluxo de narrativa, passando rapidamente de uma situação para outra, tornando-se mais evidentes em momentos conflitantes como o atrito entre Sibyl Vane e sua família abrindo um capítulo que inicia-se após o outro ter sido concluído com um encontro entre Lorde Henry e Dorian Gray ou ainda uma ação passada uma semana após outra que tenha finalizado o capítulo anterior.

Alguns aspectos simbólicos não passam despercebidos, uma vez que o próprio modo de Dorian ter percebido a efemeridade de sua beleza veio de um objeto que representa a vaidade, um retrato feito por um artista de renome. Como Wilde sempre apresentou grande conhecimento de cultura clássica, não é de se admirar se há até mesmo uma referência ao mito de Narciso, o jovem apaixonado por sua própria imagem. Um momento em que isto torna-se evidente é quando percebendo que o retrato envelheceria, mas ele não, Dorian beija sua imagem, já transformada por um gesto cruel. Há ainda o desespero de Dorian no final do romance, destruindo seu quadro, na realidade, praticando suicídio, aparentando uma grande conotação de entrega, tal como acontece com Narciso quando este afoga-se nas águas que refletiram sua imagem.

Um ponto importante para se ter noção da natureza desta personagem estava na escolha de sua amada, Sibyl Vane. É interessante observar que o fato da moça ser atriz, representando para ele todas as mulheres e ao mesmo tempo nenhuma, chegando novamente a uma atitude narcisista: a pessoa impossibilitada de amar outrem. Sibyl encantava como Ofélia e Cordélia, mas não possuía charme como ela mesma aos olhos de Dorian, uma vez que este decide deixá-la assim que ela avisa que não poderia mais representar já que conhecera o amor de verdade. Das palavras de Lorde Henry “(…) não desperdice suas lágrimas sobre o cadáver de Sibyl Vane. Era menos real do que elas.”, pode-se concluir que realmente, Dorian gostava da impossibilidade de um amor verdadeiro, preferindo a ilusão que possuía no teatro nas noites que assistia Sibyl representando.

Oscar Wilde também representa a vaidade de Dorian nos objetos que decoravam sua casa, dourados, caros, suntuosos e atraentes. Como se a casa fosse um espelho de seu dono, que devesse ser tão bela quanto ele, estar a sua altura. Por isso a detalhada descrição feita pelo autor torna-se importante no contexto para revelar mais aspectos da personagem, incluindo o biombo que Dorian escolhe inicialmente para esconder seu quadro.

Apresentava o rico estilo Luís XIV, era também dourado, representando uma tentativa de Dorian de esconder a imagem feia com algo belo. Oscar Wilde sugere também em sua obra diversas formas de belo, inclusive a inteligência como uma característica da beleza, uma vez que Dorian desejava viver o suficiente para ganhar muita experiência, algo que admirava um Lorde Henry.

Isso torna-se ainda mais notável quando Dorian mostra-se curioso para ler o livro que Henry certa vez carregava. Em mais uma ocasião, o faustoso aparece em cena, a começar pela própria cor da capa do livro, amarela, e também a escola literária a qual o livro pertencia: o Simbolismo.
A doutrina fundada no século XIX, que tomava oposição ao positivismo científico e aos excessos do Realismo e retomava certas idéias do Romantismo explica a grande fascinação de Dorian por esse tema, já que há nesta uma predileção pelo sonho e pelas fantasias misturadas ao gosto, mostrando sempre diversidade e riqueza, assim como Dorian se enxergava.
Chega-se ao ponto ideal para rever a citação feita por Wilde no Prefácio: “A antipatia do século XIX pelo Realismo é a raiva de Caliban ao ver sua imagem no espelho. A antipatia do século XIX pelo Romantismo é a raiva de Caliban por não ver sua imagem no espelho”. Analisando sob este ponto de vista, Dorian Gray torna-se o típico homem do século XIX, que mostra aversão ao Realismo por este mostrar que possui defeitos e vícios, e por outro lado, mostra aversão ao Romantismo, uma vez que, neste caso, a imaginação coloca floreios que na realidade são imaginários na alma humana, mostrando em muitas vezes virtudes irreais. Dorian se odeia, de início, por errar, mas ama cada vez mais sua imagem envaidecida por possuir um gosto de uma vida experimentada, mas uma beleza de alma imaculada.
Peculiar é o modo como a personagem faz do retrato uma espécie de confessionário. Via no quadro o sinal de seu pecado, mas sentia-se absolvido, uma vez que o que se alterava era a imagem, e não ele. Porém, Dorian passa a tornar-se insensível a medida que o retrato começa a carregar sua culpa, embora a insensibilidade seja notada apenas na questão de remorso, já que ele mesmo tinha noção de que poderia ser descoberto por seus erros, incluindo os crimes como o assassinato de Basil Hallward. Ainda quando Dorian é acusado pela sociedade por sua má índole, Wilde utiliza este momento para acrescentar suas idéias sobre os britânicos da época, quando Dorian diz para Basil: ” Os burgueses fazem à mesa uma larga exposição dos seus preconceitos e cochicham comentários superiores, a fim de procurarem fingir que pertencem à sociedade fina e que estão nas melhores relações com as pessoas de quem falam mal. Neste país basta um homem ter distinção e cérebro para todas as más línguas se escarniçarem contra ele”.

Outro aspecto, o do assassinato de Basil Hallward, traz à tona situações que sugerem o arrependimento de Dorian pelo pacto que fez, já que este decide matá-lo depois de ver sua imagem no quadro, já bastante modificada. Basil, que apenas eternizara a beleza jovial no quadro, para Dorian, torna-se o grande responsável por suas atitudes perversas. Dorian Gray liga seu instinto perverso à descoberta de sua beleza, e não à influência exercida por Lorde Henry, que sugere-lhe que a beleza é efêmera, mas que também apresenta para ele a beleza “inteligente”, o homem ideal, humanista, belo, conhecedor de várias línguas e formas de arte, porém, velho com o tempo que passou enquanto adquiria experiência. Os valores de Dorian apresentam-se no momento da morte de Basil já tão distorcidos, que o pintor torna-se para ele a consciência má, o culpado pela descoberta do sentimento da vaidade.

Apesar do comum acordo da crítica literária de que a personagem é um ser fictício responsável pelo desempenho do enredo e a vida do autor é irrelevante em uma análise, torna-se uma tarefa difícil fugir de comparações quando é sobre uma personagem de Oscar Wilde que se discute. O próprio autor afirmou certa vez que “se identificava com o ingênuo Basil Hallward (”é como penso que sou”), com o luciferino Lorde Henry Wotton ( “como as pessoas pensam que sou”) e com Dorian (”como gostaria de ser com outra idade.”)”. Entretanto, o trabalho dedicado à construção da personagem de Dorian, fazendo dele a única personagem redonda da história, tanto no aspecto moral, ideológico, social e psicológico, faz-se pensar o motivo do autor ter oferecido à Basil e Lorde Henry características de personagens planas, verdadeiros tipos, sendo Basil o pintor sonhador e Lorde Henry um cínico dândi. Ambos servem como modos antagônicos do autor demonstrar suas opiniões sobre a principal personagem, revelando outros prismas de sua personalidade.

Além desse recurso, Wilde apresenta uma narrativa de onisciência neutra, ou seja, apenas relata os pensamentos, sentimentos e fatos, não colocando sua própria opinião abertamente. Porém, ao revelar os sentimentos das personagens, as diferenças entre os valores morais de cada um deles tornam-se ainda mais gritantes, tornando os de Dorian revoltantes, mais ainda, tornando revoltante a própria indiferença da personagem. É óbvio que se o foco narrativo fosse em primeira pessoa, com Dorian contando sua própria história, Wilde não obteria tais efeitos, uma vez que se o autor tencionasse defender as idéias do protagonista, poderia justificar suas ações por confissões.

Como conseqüência da utilização da narrativa de onisciência neutra, Oscar Wilde utiliza largamente o discurso indireto livre, mesclado com o direto. O discurso indireto livre dá voz aos pensamentos e sentimentos dos personagens, colocando em plano, mais uma vez, o contraste entre a personalidade e os valores morais de cada um.

Para conduzir o leitor até o fim de Dorian Gray – seu quase suicídio – de modo a utilizar suas ações como modo de criticar sua sociedade, o autor muito mais do que trabalhar muito bem as características das personagens, o foco narrativo ou a forma de discurso, teve que trabalhar também o ambiente da obra, fornecendo detalhes sobre a sociedade da época através de situações cotidianas vividas pelas personagens, como uma ida ao teatro até um jantar com figurões. O ambiente é de tão grande importância ao longo do desenvolvimento da personalidade de Dorian Gray, que para mostrar como estava com a imagem degradada socialmente, diz-se em certa passagem do livro que Dorian fora visto em um covil de bairro distante e que se associava a ladrões. Ou ainda, o teatro onde Dorian conhecera Sibyl, visivelmente em péssimas condições, do tipo que desejava torna-se freqüentado pela alta sociedade, mas que só recebia visitas do povo. Há também o já comentado aspecto da casa de Dorian, de beleza esplendorosa, mas a biblioteca, que escolhera para esconder seu retrato, escura, cheia de recordações de sua infância como se fosse sua própria consciência. Dorian oscila entre os grandes salões e as ruas sujas da Londres industrial, formando uma espécie de contraste, assim como sua própria imagem formava com a imagem contida no quadro. O espaço decadente era o reflexo da própria decadência de Dorian Gray, mostrando, assim como o quadro, as transformações pelas quais passava a personagem.

Em suma, Oscar Wilde compõe a narrativa espetacularmente, uma vez que trabalha com cuidado as relações inter personagens, assim como a personalidade do protagonista, Dorian Gray, que sofre diversas alterações a partir do momento que passa a experimentar a vida sem preocupações. Analisando temas aparentemente superficiais, o autor penetrou fundo na mentalidade e sentido da época, apontando, através da história do belo rapaz que não quer envelhecer fisicamente, muitas das máscaras que julgava que a sociedade de seu tempo utilizava, escondendo-se assim como escondia-se Dorian Gray atrás da imagem de um quadro.

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